sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

São Paulo, 18 de outubro de 1850.

Querido J.,

Que maravilhoso o que temos sentido desde o dia 23 de junho... Lembra-te daquele dia?
A lua brilhava majestosa no céu, enquanto as estrelas reverenciavam-na, brancas, refletindo a luz de meus olhos, como me dissestes. A noite era fria, mas algo mantinha-me aquecida. De repente senti tua mão tocar a minha... e sem demora, teus olhos encontraram os meus, teus olhos... Ah! Estes, mais verdes que as esmeraldas, que todos os campos na primavera, pareciam enxergar-me no âmago de minh'alma... Perdi a razão ao sentir teu toque, teus braços fortes que me fizeram entregar-me ao teu carinho... E em meio a esta viagem insana, nossos lábios tocaram-se, um beijo delicioso que parecia ter corrido todo meu corpo... Meus lábios se retorceram, manifestando um sorriso... Nós, aparentemente, tínhamos o mesmo sentimento.
Durante todos estes quatro meses em que posso chamá-lo namorado, senti-me nas nuvens, mais alta que o céu... Todos os dias flagrava-me pensando em ti, o ápice de meu sentimento. Porém, junto ao meu pensamento vinha a solidão, pois raramente estavas ao meu lado. Penso que, se não tivesses outra escolha, não ficarias por perto, talvez por acanhamento, talvez por desprezo. Por mais que nos víssemos todos os dias, estivéssemos perto, sentia-te distante. O que tenho sentido é que tu não me amas mais.
Há tempos não reconheço teu falar, teu portar, tanto que meu sentimento foi se esvaindo, como a névoa se desfaz ao amanhecer, além do horizonte. Então, com o último fio de esperança que me restava, perguntei-te o que se sucedia; e tu, com o todo o desprezo do mundo acumulado na própria garganta, respondeu-me: "Acho que não gosto mais de ti. Não sei se o que eu sentia era verdadeiro."
Como pôdes ser tão egoísta, medíocre, simplório?! És do campo, de uma mentalidade rústica. Me parece que não tens capacidade de refletir sobre as próprias ações, se é que tentas fazê-lo.
Enfim, todo ser humano é possuidor de um destino, e não tem a capacidade de mudar sequer um rumo dos caminhos da vida. Ao meu ver, não estamos destinados a trilhar somente um caminho juntos, mas sim, caminhos diferentes.
Estás habituado a importar-se somente consigo. São humanos assim, dessa reles sociedade, que trazem ao mundo a frustração. Chego, então, ao propósito desta carta: cansei-me. Retira-te do meu mundo. Não suporto a utopia que costumavas chamar de "amor", a qual servia apenas para arrancar de mim alguns suspiros, horas de insônia, belas paravras, juras de um amor inexistente.
Isto é só o que me resta. Adeus.
Cordialmente me despeço, desejando-lhe outros amores ordinários.
M.

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